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domingo, 5 de abril de 2009

Resignificando o conceito de 'consumo'

Estava pensando nas relações de trabalho dentro da escola pública e me depararei com os conceitos de produção, reprodução e consumo. O trabalho dentro da escola não produz nada de material, ou, ao menos, não é esta a sua finalidade primordial. Não há alguma mercadoria que ao final seja apropriada por alguém.

Buscando um outro fazer para comparar com o trabalho escolar, escolhi o teatro. Primeiro, porque não existe ciência de um particular, aristotelicamente falando, logo, se o trabalho escolar não tem com que se comparar, podemos apenas descrevê-lo. Segundo, porque considero o ensino como uma forma de arte. Terceiro, porque, grosso modo, numa aula os alunos são uma plateia (passiva ou ativa), o professor atua desempenhando um papel de autoria (sua ou não) e certas representações são utilizadas ou construídas.

Partindo destas colocações iniciais, no espaço onde se encena uma aula/peça há mais uma re-produção, do que uma produção, uma vez que muitos dos recursos já devem estar prontos para uso. Este recursos e as ações que se entrelaçam com estes produzem, de fato, uma sequencia de fenômenos, mas que é apenas o meio usado para produzir outro efeito, sobre a plateia. A recepção dos fenomenos (entendido aqui fenomeno como 'aquilo que se apresenta', que se percebe) pela plateia é que é a finalidade do/a espetáculo/aula. Pergunto: há relação de consumo nessa situação?

Pensando objetivamente, não. Nos dicionários, a palavra consumir é apresentada como tendo significado de várias ações destrutivas ao objeto que se aplica (gastar, dilapidar, corroer, apagar, esquecer, abater, enfraquecer, debilitar, mortificar, afligir, desgostar) e poucas neutras (usar, utilizar, empregar, dedicar). O que consome os fenômenos que se sucedem numa aula/espetáculo é a própria progressão do tempo. O que o espectador pode fazer com os fenômenos é apreciá-los, fruí-los. Da mesma forma, ao usarmos algum objeto, nossa finalidade é algum benefício advindo desta ação, não a destruição do objeto. Mesmo quando nos alimentamos de algo e sua existência é anulada, isso apenas ocorre porque ser absorvido e incorporado são condições necessárias à nutrição. Vemos, portanto, que aquilo que nas relações econômicas é chamado de consumo tem pouca coincidência com a destruição do objeto a que esta relação é referida. Qual é a lógica por trás deste uso da palavra consumo onde a palavra aquisição seria mais adequada?

Na minha interpretação, a lógica empregada é a da voracidade. O sentido de fazer com que um bem (qualquer coisa, material ou imaterial, que satisfaça uma necessidade ou um desejo)quando transfigurado em mercadoria, se torne um ente perecível é de associar a satisfação como algo finito, que depende da destruição daquilo que a gera. Manter ou retomar a satisfação fica então condicionado a uma nova aquisição no mercado, indefinidamente.

Esse moto perpétuo da destruição destoa de preocupações pela sobrevivência do planeta, pela preservação dos bens naturais. Coloca a destruição como algo necessário, desejável, projetando escassez, essa forma de valorização pela limitação de uso, pelo privilégio.

3 comentários:

Patrícia disse...

Cheguei ao seu blog através do blog Filosofia Menor, tomei a liberdade de adicioná-lo a minha lista de blogs. Gostei! Temos algo em comum...a escola pública. Deveras, nada animador!
Continue escrevendo! Gostei do que "disse". Um abraço mineiro,
Patrícia

Marcos S. P. Euzebio disse...

Meu caro, veja aí se posta alguma coisa! Um ano e nada de teus sábios comentários e conselhos e admoestações e pensamentos e ironias e finos chistes com a condição humana! rsrs

Greta disse...

Bem...eu entendo que nas relações sociedade e trabalho, o professor é um gestor do estado.Deve fazer parte desse lance de manter e fiscalizar.Não se encaixa no sistema de exploração do trabalho,pois não ha meios de produção e nem produto.
Muito embora a sociedade queira a todo custo proletarizar o ensino...